sábado, 21 de abril de 2012

Uma noite fatigante

Amigos e amigas,

quais são os limites para uma celebração gastronômica? Quais são as barreiras para alegarmos: "chega, não aguento mais"? Pergunto isso em um sentido mais filosófico do que material. Isto porque, em um mundo em que diversas pessoas passam fome, atingir limites financeiros são fáceis... Os limites financeiros, é lógico, dependem do budget de cada um e naturalmente do grau de importância que as pessoas estão interessadas em investir em boas refeições. Um investimento que gera dividendos subjetivos, naturalmente.

Mas voltando ao ponto: quais são os limites existentes em se ir em um bom restaurante e, após a sucessão de pratos, você torcer para que o serviço acabe?

Não sei. Talvez seja o excesso de tempo gasto no restaurante, talvez a formalidade desnecessária, ou as invencionices de diversos pratos combinados... Tudo isso faz com que "o todo" se sobrepuja ao "sabor" no final. E aí, na minha opinião, a celebração gastronômica deixa de ser divertida.

Começo esse post com essa questão, pois foi exatamente isso que me aconteceu no restaurante da Hélène Darroze. Hélène Darroze é uma chefe reconhecida internacionalmente, que trabalhou em um dos restaurantes do chefe Alain Ducasse, em Mônaco.

Nascida na região de Landes - terra do ficcional mosqueteiro, D'Artagnan - ela vem de uma família de "restauranteurs". Havia tentado ir ao restaurante dela em minhas últimas duas viagens, mas não consegui. Aproveitando a minha passagem rápida em Paris, antes mesmo de viajar, reservei com uma certa antecedência.

O restaurante é dividido na "Salle à manger", onde é oferecido de dois a três tipos de menu confiance, de até 9 pratos; e no "Salon d'Hélène", que possui um clima mais despojado. Como a motivação era grande, a minha intenção era de conhecer a Hélène por inteira e, assim, fomos para a Salle à manger com tudo.

Chegamos exatamente na hora reservada, deixamos parte das nossas armaduras na entrada - casacos pesados - e fomos assim conduzidos para um salão elegante e sóbrio. Logo depois veio uma garçonete atenciosa, porém séria, nos oferecer as opções de menu e vinhos. Em alguns minutos depois passamos ao menu e às harmonizações possíveis. Imediatamente, veio uma máquina cortadora de presunto e nos foi oferecido um presunto pata negra. Logo depois, a sequência começou.

Bom, cada prato desenhado e montado sob uma estética visual de dar inveja aos mais detalhistas. E todos os pratos extremamente bem preparados e gostosos.

Mas, então, qual é "a questão", de que limite estou falando que me foi suscitado que vale ser questionado em qualquer bom/excelente restaurante?

Primeiro de tudo, acredito que valha a pena conhecer o restaurante da Hélène Darroze - embora ele seja caro, aliás muito caro, ele é um aprendizado. E os sentimentos que eu vivi podem ter sido apenas meus e talvez ninguém os tenha.

Mas a verdade é que cheguei ao limite e, juro, no final eu já estava torcendo para acabar. Por quê? Ir em restaurante de alta gastronomia, seja em qualquer cidade, necessita de energia. No meu caso, tinha chegado da Ásia após um voo de 13 horas, estava ainda sob o efeito do jet lag e, naturalmente, à noite, já estava totalmente arrasado.

Tudo bem que avaliar a comida sob o efeito do cansaço é sempre mais difícil. Mas, um restaurante desse porte tem que ser avaliado de uma forma mais rigorosa - até porque, mesmo que você não o avalie rigorosamente, a conta será cobrada com todo o rigor.

Mas mesmo assim, todos os pratos, conforme disse, eram excelentes. O que não me agradou foi o conjunto da obra - os pratos não vieram em uma sequência que proporcionasse um "orgasmo gastronômico" crescente. Em outras palavras, a sequência não fluiu bem.

A maratona gastronômica que se seguiu foi, sem maiores detalhes, um tartare de ostras com caviar francês; foie gras; lagosta com espuma de parmesão; raviole de ervas e queijo com alcachofras; coquille Saint Jacques com purê de cenoura; peixe Bar com salada e bacon picado acompanhado de espuma de Haddock e ovas; costela de cordeiro ao molho de pistache; queijos diversos; creme de baunilha de madagascar com crocante com calda de damasco e sorbet de queijo de chèvre; por fim, uma sobremesa com várias camadas de chocolate. Uma sequência de deixar atleta com língua de fora.

Um outro ponto que acho que não me agradou foi a harmonização do vinho com os pratos: teve um que, além de não ter harmonizado adequadamene, chegou a não me agradar. Se o menu com harmonização é uma possibilidade para bebericar diversos vinhos em sintonia com os pratos que são servidos, por um outro lado pode ser uma surpresa negativa, já que o gosto e sabor é uma característica subjetiva.

Pra finalizar, as sobremesas servidas também não emocionaram. Sem dúvida, diante do cansaço, a minha análise é negativa. Mas uma coisa posso dizer: havia vontade e fome suficiente para poder ser, digamos, locupletada. E, em condições semelhantes, e em restaurantes da mesma categoria, já tive momentos bem melhores. Por isso acredito que a análise não tenha sido de todo muito exagerada.

Ainda em relação ao cansaço, o ruim de restaurantes em que é necessário reservar com bastante antecedência é justamente ter que reservar com tamanha antecedência: como você estará disposto no dia? Com que vontade você estará de jantar naquele dado momento?

Por isso que, em Paris, onde tudo é feito com uma certa magia, talvez a melhor das escolhas seja comer um simples crepe na esquina.

Beijos e abraços,

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@viverparacomer

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Olá, sou carioca e um grande apreciador de um bom prato. Com este intuito, tentarei escrever as minhas impressões sobre os restaurantes em que eu vier a comer - descrevendo qualidades e defeitos de cada um. Caso tenha o interesse de complementar as minhas opiniões, por favor, não deixe de contribuir. Restaurantes bons devem ser vangloriados, enquanto restaurantes ruins devem ser evitados. Não concorda? Então, vamos lá... Mãos ao garfo!